É
difícil para a grande maioria de nós lidar com situações nas quais nos sentimos
ameaçados, feridos, magoados, traídos... E acabamos criando os mais diversos mecanismos
de defesa para enfrentar esses fatos. Porém, tais mecanismos muitas vezes não
passam de uma ilusão, nos mantendo presos a essas mesmas situações.
Quando
nos sentimos magoados ou traídos, podemos partir para uma negação. O eu precisa se manter numa postura de bom
moço, ou talvez não queira sofrer, e assim cria mecanismos ilusórios de
percepção e aceitação de uma pseudo-realidade. Nega sentimentos que poderiam
ter surgido daquela determinada situação. Tais sentimentos ficam obscurecidos,
mas a negação não pode ser completa. Ou seja, de alguma forma, aquele problema
virá à tona. Muitas vezes “matamos” mentalmente, ou em sonhos. Essa criação
mental pode dizer respeito a um desejo de morte, oriundo da negação de
sentimentos como a raiva, da manutenção desses sentimentos no inconsciente. E
então, o sentimento que fora negado, reprimido em prol de condutas inseridas
dentro de padrões morais socialmente estabelecidos, irá aparecer de outras
formas, muitas vezes causando distúrbios físicos ou psíquicos, reativando
alguns mecanismos de defesa. Nosso corpo muitas vezes dá visibilidade àquilo
que está obscurecido. Muitas doenças que acreditamos ter origem puramente
orgânica podem ter esse fundo psíquico.
Há
momentos, porém, em que os sentimentos de raiva, ódio, entre outros, aparecem
com toda força. São visíveis, são expressados, são manifestações conscientes. E
muitas vezes falhamos ao alimentá-los, ao querer vingança, caminhando com eles
até as últimas consequências, nos envenenando enfim. Aqui também perdemos a
oportunidade de aprendizado com tais situações. Temos olhos somente para o que
há de negativo, deixando-nos levar docilmente.
Quando,
porém, em algum momento, percebemos que quem se ofendeu foi o ego, que as idealizações dele foram
frustradas, passamos a ser observadores de nós mesmos, percebendo que devemos
deixar que as coisas passem e seguir em frente. A partir dessa compreensão de
que somos humanos, ainda muito limitados, reconhecemos esses sentimentos
indesejáveis que por vezes deixamos brotar, reconhecemos nossas dificuldades,
nossas limitações e buscamos uma forma mais saudável para lidar com isso.
Esses
sentimentos precisam ser transformados em alguma outra coisa. Precisam ser
transmutados. Se os ensinamentos mais fortes e nobres que tivemos até hoje
diziam respeito ao amor, é por aí que devemos lidar com os sentimentos que
criamos a partir de uma defesa egóica. A partir do momento em que reconhecemos
nossas falhas, podemos deixar que as coisas
aconteçam naturalmente, em seu devido tempo, perdoando sinceramente e
curando as feridas com amor. Mas, enquanto estiver algo mal resolvido, o perdão
não poderá de fato acontecer. É um processo muitas vezes lento, mas possível
quando aprendemos a ser humildes.
A
partir dessa percepção de nós mesmos, aprendemos a ter mais paciência e compreensão
com nossos irmãos. Se podemos falhar, eles também estarão sujeitos a tal
situação. E quando me coloco no lugar daquele que me magoou, é possível
perceber seus pontos de vista, sem julgamentos e sem vitimizações. Estamos
todos na mesma escola, acertando, errando e procurando aprender. Quando a falha
de outrem é tomada não no sentido pessoal mas como uma experiência, podemos
perceber que cada um se encontra em um ponto dessa estrada, alguns mais a
frente, outros atrás. E finalmente, quando sentirmos amor por todos os nossos
irmãos, chegaremos a um momento em que não mais nos magoaremos ou sentiremos
raiva. Não haverá espaço nem possibilidade para isso. Aqui já teremos superado
muitas limitações e perceberemos que o amor pode nos levar por caminhos novos,
de percepção da importância de cada experiência para nossa evolução. Ainda que
tentem nos ferir, cada momento tem a sua parcela de perfeição de acordo com a
nossa caminhada.
É
momento de criarmos novas possibilidades de convivência, de nos observarmos com
amor, respeitando nossa condição, para então dar um destino, de acordo com os
princípios divinos, ao que nos faz mal. Que estejamos aptos a transmutar!
Por UCNF
Nenhum comentário:
Postar um comentário