Vivemos um momento em que toda tentativa de criação de algo
novo, de transformação de padrões, acaba sendo capturada pelo capital e se
torna mercadoria. Com a religião não acontece de forma diferente. Ela se
encontra hoje imersa nessa lógica capitalista e tal imersão diz respeito não só
a venda dos mais diversos produtos (CD's, livros, terços, imagens, etc), mas
também a esse mercado de fiéis que foi criado.
Hoje há um conceito chamado fidelização. As empresas
precisam conquistar mercado, conquistar clientes e trabalhar para mantê-los,
utilizando para isso diversos artifícios. Nesse contexto podemos perceber que
as instituições religiosas tem atuado como empresas. Há um trabalho para
conquistar cada vez mais fiéis e para mantê-los dentro da instituição. Os artifícios
utilizados? Os mais variados possíveis, passando pelo medo, pela ganância, por
interesses pessoais de aquisição de algo (mesmo que seja adquirir a salvação) e
também por ensinamentos que realmente levam a uma melhora de si. Dessa forma,
aqueles que fazem parte daquela determinada religião se sentem bem, acreditam
que os ensinamentos foram positivos em sua vida (e de fato foram, pois toda
religião traz ensinamentos importantes e provoca mudanças) e, querendo aquele
bem para outras pessoas, as convida para participar das reuniões e para se
tornar mais um naquele meio. Se pensarmos a partir de um ponto de vista
individual, estaremos diante de uma atitude altruísta, de benevolência. Agora,
se observarmos o todo, perceberemos que a fidelização foi bem sucedida.
“Estamos ganhando mercado!”
É nesse contexto que surgem disputas, que surgem pensamentos
a respeito de uma religião ser melhor que outra, tomando isso como verdade
absoluta. Mas essa questão é muito mais subjetiva. Pode sim haver uma religião
melhor, mas é a melhor para mim no meu atual momento de vida. Para outra
pessoa, outra religião poderá ser melhor. Para mim, em outro momento, também
poderá ser diferente. Porém cria-se um ambiente de disputa, de concorrência, e
nele o título "cristão" começa a ganhar pretensos donos. Começa-se a acreditar
que somente aqueles iguais, que compartilham de uma mesma crença, podem assim
se denominar. Mas como isso é determinado? Pela forma como a Bíblia é
interpretada?Por exemplo, em algumas igrejas evangélicas há uma prática
que é a seguinte: após ser feita a pregação a respeito de algum tema, pautado
nos versículos bíblicos, fala-se a respeito de Jesus ter vindo para nos salvar,
tendo sido o sacrifício que levou ao fim daquela sua existência uma forma de
redimir os nossos pecados. Mas, para termos nossos pecados perdoados, teríamos
que aceitar Jesus. Então, nesse momento é realizado o convite: “quem aceita
Jesus pode vir aqui a frente”. Por vezes isso parece também um ato de coação.
Será que talvez não haja alguém que se dirige a frente da igreja por medo de
não ser salvo? Mas também precisamos considerar que muitas pessoas realmente se
sentem tocadas por aqueles ensinamentos e percebem ali novas possibilidades de
vida. E aqui vem a pergunta: basta dizer-se cristão?
Temos aqui no Brasil uma variedade de religiões ditas
cristãs, com algumas diferenças entre si, e até bastante contundentes. Muitos
se prendem a essas diferenças para dizer: “ah somente nós seremos salvos,
porque conhecemos a verdade”. Uma interpretação de mundo aqui é tomada como
verdade e deixa-se cair no esquecimento o fato de que todos nós, humanos, somos
por demais imperfeitos para compreender essa suposta verdade. Peguemos o que
pode ser considerado o principal ensinamento de Jesus: o amor incondicional.
Apesar de todas as divergências dogmáticas, o ensinamento de amor está lá,
mesmo em religiões que não se denominam cristãs. Talvez possamos estabelecer
certo filtro para nos intitularmos dessa forma e esse filtro seria justamente o
amor. Se não possível a sua prática em todo momento de nossas vidas (o que é
muito difícil em função de toda nossa imperfeição), pelo menos o interesse em
por em prática, a tentativa de agir com amor, independente do que aconteça, o
cultivo desse sentimento. Poderíamos dizer que esse seria um comportamento
digno do nome. E é no comportamento cotidiano, fora dos muros de uma
instituição religiosa, que você poderá se dizer ou não cristão. Não basta dizer
que aceita Jesus, ir a Igreja todo domingo ou assistir palestras e ler muitos
livros e não colocar nada em prática, se esquecer de que os ensinamentos são
para a vida. Jesus pode sim ter nos oferecido a salvação, nos mostrando o
caminho a ser seguido. O trabalho que diz respeito a ser Cristão não é simples.
Precisamos manter a vigilância e vencer a nós mesmos, tentando ultrapassar
nossas imperfeições e seguir o caminho do amor.
E como o amor, muitos outros sentimentos existem e precisam
ser assimilados e vivenciados, não apenas como regras, mas a partir da
compreensão de que são importantes para o bem comum, para o bem do planeta. Que
seja também possível ter sabedoria para avaliar as diferenças subjetivas e não
entender o bem para o outro como algo imposto a partir de crenças pessoais. A
harmonia e o bem estar são consequências de atitudes de amor, respeito, paz,
compreensão.
Que saibamos viver como irmãos, independente dos muros que
nos cercam, até o momento em que os muros possam realmente ser desfeitos.
Por UCNF
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