"Entendemos por “religião” um
conjunto de crenças, valores, estilo de vida e práticas devocionais que é
regida sob um nome e uma figura institucional. Os costumes e regras são os mais
variados: alguns são vegetarianos, outros não comem a noite, alguns têm o
compromisso de disseminar sua filosofia e outros fazem voto de silêncio. Para
uns imagens são sagradas e para outros locais são sagrados e cada um em sua
própria língua atribui um nome a Deus. Cada religião possui uma bandeira, uma
proposta filosófica e um conjunto de regras que tem como origem um contexto
sócio-cultural.
O grupo de pessoas que se coloca
separado da classificação religiosa, embora possua também crenças, valores e
alguma forma devocional, pratica o que se chama de “espiritualidade”. Os espiritualizados,
por assim dizer, são apenas pessoas que não se declaram parte de nenhum grupo
religioso específico, mas possuem sua própria prática religiosa, expressão de
tudo aquilo que elas já viram e sentem, enquanto outras pegam carona nas
práticas religiosas disponíveis na sua comunidade.
Apesar de termos esse senso comum
sobre o que é religião e o que é ser espiritualizado, a tradição védica não
adota essa mesma perspectiva. Ela separa as pessoas quanto à abertura mental e
quanto à proposta filosófica que a pessoa adota na sua vida.
A abertura mental se refere
disponibilidade do indivíduo para questionar sua vida e discutir racionalmente
certos temas como: Deus, morte, valores morais, objetivo da vida e etc.
Infelizmente, é comum termos dificuldade de conversar sobre esses temas, seja
pelo trauma religioso coletivo que vivemos, já que estamos a todo momento sendo
bombardeados por tentativas de conversão, ou pela própria doutrinação religiosa
onde estamos inseridos, que pode condicionar a mente ao “não pensar”.
Essa repulsa natural ao discurso
religioso é caracterizado por diversos argumentos categóricos, como se a
religião ou a espiritualidade fossem apenas mais uma invenção capitalista de
controle, “para o rico ganhar em cima do pobre”. Esse tipo de reducionismo é
uma análise superficial e acaba sendo um obstáculo para quem deseja entender
mais sobre si, pois, a verdade é que, de fato, ninguém pode viver independente
de uma estrutura filosófica. Esses temas fazem parte da vida e vão estar sempre
presentes de uma maneira ou de outra.
Assim, a abertura mental é estar
disposto a escutar com sinceridade, dando o benefício da dúvida, com a
humildade de um aluno, com uma mente discriminativa e objetiva, como um bom
cientista. O cientista usa a lógica para refletir sobre os temas da sua
experiência. Já o devoto, seja ele “religioso” ou “espiritualizado”, usa sua
mente para refletir sobre assuntos que vão além da experiência cotidiana, cuja
fonte de conhecimento são os “textos sagrados” ou algum tipo de revelação
oculta.
Quanto à proposta filosófica, as
pessoas se dividem em dois grupos: o primeiro grupo sustenta a ideia que a
solução para o indivíduo envolve a sua viagem para um lugar melhor, ou algum
tipo de transformação metafísica. O segundo grupo adere à ideia de que nós já
temos, no momento presente, todos os ingredientes necessários para ser uma
pessoa feliz e completa.
Se a solução para felicidade
fosse ir para um outro lugar com mais conforto, essa proposta não seria
diferente do pensamento materialista comum de “sair para tirar umas férias”.
Apesar de ser uma boa proposta ela não se sustenta, pois, por mais que o lugar
seja bonito, com música e dança, sem velhice, sem mosquitos e tudo mais que
podemos imaginar, é a mesma pessoa
insegura, arrogante, impaciente, com seus medos e obsessões que vai estar lá.
E vai arrumar confusão, sentir ciúme e brigar pelo assento mais próximo de
“Deus” na mesa de jantar.
Por outro lado, uma pessoa
segura, humilde, paciente, com uma mente emocionalmente saudável, não precisa
de paraíso e com certeza vive bem por aqui. Assim, mesmo que o nosso objetivo
fosse ir para alguma espécie lugar ideal e paradisíaco, se tornar uma pessoa
simples e equilibrada seria condição necessária para desfrutar das belezas
desse novo lugar, o que não nos deixa opção.
Então, quanto à proposta
filosófica, para o primeiro grupo o caminho espiritual é externo, onde a
solução da felicidade é viajar para algum lugar ou se transformar, adquirindo
algumas capacidades extras. E para o segundo, o caminho é interno para conhecer
qual a realidade desse indivíduo que potencialmente já é feliz.
Dessa maneira, os Vedas estabelecem três grupos de pessoas:
O primeiro, que é fechado para qualquer discussão racional
sobre o assunto religioso.
O segundo, que acredita que a solução da vida humana é ir
para algum lugar mais confortável no pós-morte.
O terceiro, que entende que ser capaz de ser feliz no
momento presente não é realmente uma escolha, mas a única hipótese que pode
realmente fazer a diferença.
Com esse objetivo de descobrir a pessoa simples e feliz que cada
um já é, os Vedas não consideram relevante a distinção entre práticas
religiosas e afirmam que Deus, estando em todo lugar, vai abençoar o indivíduo
na forma escolhida por ele. E assim, a atitude devocional, a sinceridade, os
valores como ser humano são o que realmente importa, pois conduzem o indivíduo
para mais perto dessa pessoa simples e feliz, e não o grupo que estamos
inseridos ou o nome que damos para Deus. O próprio hinduísmo, religião que
acompanha a tradição védica, possui uma série de seitas, cultos e tradições
religiosas independentes e distintas entre si, que vivem em relativa harmonia e
considera conversão religiosa um ato de violência desnecessária.
Como é fácil dizer que essa
pessoa simples e feliz não existe, devemos lembrar que ela não está tão
distante, encontramos com ela de vez em quando.
“…Quando mandamos sms para pessoa errada,
no sorriso inocente de uma criança,
na risada que antecede o final da piada,
na visão da pessoa amada ou só na lembrança,
na solução dos problemas de matemática,
no intervalo entre estrofes, onde só se escuta o som pandeiro.
Eu sou a pessoa feliz, paciente, alegre e simpática,
Sou o amor que eu sinto pelo mundo inteiro! …”
Se apesar dos seus instintos o leão consegue, nós podemos
pelo menos tentar!"
Por Jonas Masetti - www.satsangaonline.com
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